terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Primeiras impressões (continuação)


Há pouco tempo tive contato com a magia do caos, após longo percurso teórico por diversos sistemas, sempre me foi algo difícil aderir a um sistema mágico em particular. Todos eles me pareciam um tanto vinculados às mesmas premissas religiosas que me sempre me afastaram de qualquer culto. O mágico sempre me pareceu natural, ao passo que o religioso me foi servido com grandes doses de imposição e artificialidade. Não é meu objetivo fornecer um diagnóstico disso, até por que, me parece impossível contemplar a totalidade deste quadro sem distorce-lo. A magia do caos me pareceu ser o início de um novo movimento, que pode ter força para apontar uma nova era, seja lá o que isso signifique. No entanto, sua aparente simplicidade converte-se em complexidade quase incompreensível para nossas almas, já que a dualidade presente na existência como tal é a base de sua (in)compreensão. É importante ironizar esse aspecto, pois todo aquele que afirma compreender a magia do caos está, ao mesmo tempo, dizendo algo verdadeiro e também falso, algo próprio a tudo que se coloca diante do caos e é despido de sua dualidade. Nesta contradição é que mora a força da investigação, a tentativa de compreensão do caos é também aquela de se aproximar dos limites próprios à dualidade. Basta lembrarmos de um dos exercícios fundamentais do movimento, a “postura da morte” de Spare, além de sua utilidade para o magista, pode ser vista, do ponto de vista conceitual, como a tentativa, pelo praticante, de unificar dois elementos fundamentais a todo àquele que experimenta a dualidade, a vida e a morte. Todo àquele que afirma a vida, nega a morte, e vice-versa. Neste caso, a postura de Spare conduz o praticante a um estado em que ambos são experimentados simultaneamente, e o resultado é sua mutua neutralização, o que leva ao alcance de seu resultado, a gnose. Não se perturbem com minha descrição sumária deste assunto, há muita literatura disponível sobre o assunto, e olhos atentos podem encontra-la facilmente por aí.
E a busca por essa experiência, que configura a tarefa fundamental do praticante, torna-se também um amplo quebra-cabeças. Para além da simplicidade do caos, mora um prisma infinito de imagens. Tais, essencialmente dualizadas, guiam e confundem seus perseguidores. Quanto a mim, considero que não pode haver magia do caos sem certa confusão, equivoco e acerto permanecem atrelados até que a dualidade se rompa, sucesso e fracasso, luz e escuridão, etc...
Assim, minha busca por essa compreensão está atrelada à tentativa de ultrapassamento destas imagens, utilizando qualquer via que permita isso. A arte me parece um mecanismo razoável para isso. Seja qual for sua manifestação, o artista se confunde, em alguma medida, com o magista, pois sempre carrega em sua obra, uma tentativa de tradução deste caos contido nas dualidades presentes no mundo. Escolhi a literatura como caminho investigativo, primeiro por sua amplitude, e também devido ao que considero como sendo sua característica mais caótica, que sempre enuncia uma pretensão ambígua, simultaneamente objetiva e subjetiva. É também por isso que pretendo lançar aqui minhas narrativas, tentativas pessoais de explorar e desdobrar estas imagens, gota a gota.  Esta empreitada parece não ter fim, mas nenhum de nós deve ter pressa, afinal, o tempo é apenas mais uma imagem da dualidade.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Primeiras impressões

Não entendo muito o porvir. Não foi uma simples curiosidade o que me trouxe até aqui. Eu poderia, facilmente, dizer que foi a própria vida quem fez isso. Um sentimento de vazio, depressão, ansiedade,  doenças do mundo atual; sintomas claros de inadequação ao cenário que os homens construíram para si. Premissas de que a humanidade precisa enfrentar um novo despertar. 
Sempre desconfiei do espiritual, mas também fui sempre fascinado por ele. Desde a mais tenra infância, os elementos que configuram a possibilidade de um mundo para além deste, sobrenatural, mas apenas por estar um passo além do que é tradicionalmente dito natural, me foram objeto de dúvida e medo. Cauteloso, muito cedo aprendi que o mal praticado sempre retorna como um mal maior, e fui profundamente marcado por isso em minha caminhada. Sempre tratei o espiritual com cautela e discrição, tentando me equilibrar entre um ceticismo radical e um espiritualismo brando, sem, de fato, tocar profundamente um ou outro. 
Este longo tempo serviu para que pudesse quantificar o que considero como um sintoma, o de uma espécie de insuficiência. Me parece que os seres humanos tenham vivido apenas a parcialidade do quadro total. Sem enxergar adequadamente o todo, sempre acabaram por apressar suas conclusões e conduzir a história a suas encruzilhadas famosas. É destas encruzilhadas, resumidamente, que se retira o medo e toda cautela em relação ao sobrenatural. 
A existência humana é paradoxal, por isso a magia também lhe será paradoxal, não que isto lhe seja um atributo essencial desta última, mas apenas fruto da visão humana.  Se a existência humana pode ser efetivamente mágica, então quaisquer das barreiras que tenham sido impostas as estas práticas ao longo de nossa breve história, são barreiras humanas e não mágicas. 
Isso cria duas coisas, um freio e um impulso. O freio reside na lenta compreensão de todo o processo de compreensão da magia que permeia essencialmente a existência, paradoxalmente transitando entre o sim e o não, entre o tudo e o nada, o cheio e o vazio, o pleno e o corrupto. O impulso é o que torna essa experiência quase infinita em suas possibilidades, sendo isso, finalmente, a razão pela qual esses escritos são e continuarão sendo produzidos. A magia é manifestação natural da humanidade, compreendê-la é uma de suas tarefas fundamentais.  (continua)