Há pouco tempo tive contato com a
magia do caos, após longo percurso teórico por diversos sistemas, sempre me foi
algo difícil aderir a um sistema mágico em particular. Todos eles me pareciam
um tanto vinculados às mesmas premissas religiosas que me sempre me afastaram
de qualquer culto. O mágico sempre me pareceu natural, ao passo que o religioso
me foi servido com grandes doses de imposição e artificialidade. Não é meu
objetivo fornecer um diagnóstico disso, até por que, me parece impossível
contemplar a totalidade deste quadro sem distorce-lo. A magia do caos me
pareceu ser o início de um novo movimento, que pode ter força para apontar uma
nova era, seja lá o que isso signifique. No entanto, sua aparente simplicidade
converte-se em complexidade quase incompreensível para nossas almas, já que a
dualidade presente na existência como tal é a base de sua (in)compreensão. É
importante ironizar esse aspecto, pois todo aquele que afirma compreender a
magia do caos está, ao mesmo tempo, dizendo algo verdadeiro e também falso, algo
próprio a tudo que se coloca diante do caos e é despido de sua dualidade. Nesta
contradição é que mora a força da investigação, a tentativa de compreensão do
caos é também aquela de se aproximar dos limites próprios à dualidade. Basta
lembrarmos de um dos exercícios fundamentais do movimento, a “postura da morte”
de Spare, além de sua utilidade para o magista, pode ser vista, do ponto de
vista conceitual, como a tentativa, pelo praticante, de unificar dois elementos
fundamentais a todo àquele que experimenta a dualidade, a vida e a morte. Todo
àquele que afirma a vida, nega a morte, e vice-versa. Neste caso, a postura de
Spare conduz o praticante a um estado em que ambos são experimentados
simultaneamente, e o resultado é sua mutua neutralização, o que leva ao alcance
de seu resultado, a gnose. Não se perturbem com minha descrição sumária deste
assunto, há muita literatura disponível sobre o assunto, e olhos atentos podem
encontra-la facilmente por aí.
E a busca por essa experiência,
que configura a tarefa fundamental do praticante, torna-se também um amplo quebra-cabeças.
Para além da simplicidade do caos, mora um prisma infinito de imagens. Tais,
essencialmente dualizadas, guiam e confundem seus perseguidores. Quanto a mim, considero
que não pode haver magia do caos sem certa confusão, equivoco e acerto
permanecem atrelados até que a dualidade se rompa, sucesso e fracasso, luz e
escuridão, etc...
Assim, minha busca por essa compreensão
está atrelada à tentativa de ultrapassamento destas imagens, utilizando
qualquer via que permita isso. A arte me parece um mecanismo razoável para
isso. Seja qual for sua manifestação, o artista se confunde, em alguma medida,
com o magista, pois sempre carrega em sua obra, uma tentativa de tradução deste
caos contido nas dualidades presentes no mundo. Escolhi a literatura como
caminho investigativo, primeiro por sua amplitude, e também devido ao que
considero como sendo sua característica mais caótica, que sempre enuncia uma pretensão
ambígua, simultaneamente objetiva e subjetiva. É também por isso que pretendo
lançar aqui minhas narrativas, tentativas pessoais de explorar e desdobrar estas
imagens, gota a gota. Esta empreitada
parece não ter fim, mas nenhum de nós deve ter pressa, afinal, o tempo é apenas
mais uma imagem da dualidade.
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